domingo, 24 de março de 2013

A melhor idade para aprender a ler


Acabadas as avaliações do 2º período, deparei-me com o facto de maior parte dos meninos do grupo dos grandes já saber ler (grupo Palhaço), ou estar a iniciar processos avançados de decifração do escrito. Alguns pais ficaram preocupados, devido "à desmotivação na escola" formal.
É um facto que a função do Jardim de Infância não é a escolarização precoce, mas também não é (isso é que não pode ser nunca!) a negação da inteligência e dos interesses das crianças que o habitam. Respondendo aos interesses deste grupo de crianças de forma lúdica, ou seja, sem usar estratégias de ensino formal, muitos aprenderam!
Por isso, não resisto a deixar aqui um texto de José Pacheco (in educare.pt).

Sempre as mesmas inúteis discussões. Sempre as mesmas abstrações. Quando se refere a palavra "aluno", de que aluno (em concreto) estaremos a falar? Do João? Da Maria? De nenhum... A melhor idade é a idade de cada qual.
Pensei que estivessem usando a expressão para (cruelmente) designar aquilo que, até há bem pouco tempo, designava, em linguagem pura e dura, a "terceira idade". Enganei-me. Em qualquer debate, a pergunta insistente passou a ser: "Qual a melhor idade para aprender a ler? Os 6, ou os 7 anos?"

Talvez ainda sejam organizados congressos para se encontrar resposta para uma pergunta que aporta um pressuposto - o de que todos deverão fazer o mesmo, aprender o mesmo, no mesmo momento: "Qual é a melhor idade para aprender a ler?" Perguntas sem sentido, pois conheço crianças de 4 anos aptas para a alfabetização e jovens de 10 anos sem condições para aprender a ler.

Sempre as mesmas inúteis discussões. Sempre as mesmas abstrações. Quando se refere a palavra "aluno", de que aluno (em concreto) estaremos a falar? Do João? Da Maria? De nenhum... A melhor idade é a idade de cada qual.

O processo de letramento é um processo de inclusão. Aprender a ler é desejo e esforço. A linguagem é produção social. E não pode ser ensinada como se todos fossem um só. A linguagem é aprendida socialmente, nas interações verbais, como nos avisam Baktin e Freire. Ao ensinar a ler como se todos fossem um só, a escola não promove o uso da leitura e da escrita como meio de comunicar e de assumir a cidadania.

Quando uma professora quis ensinar a letra fê, recorreu a uma daquelas frases de antologia, que só traduzem desprezo pela inteligência e criatividade da infância. Leu para toda a turma, ao mesmo tempo, do mesmo modo: "A mãe afia a faca."

"A Fia sou eu! - exclamou uma aluna.

"Não é nada disso, Jéssica! Eu disse afia! Afia é como... amola. Percebeste?"

"A mola?" - perguntou a aluna, com cara de nada entender.

"Sim. Amola! Já vi que compreendeste!" - concluiu a mestra.

Por este fonético equívoco e por outros é que alguém já disse que a linguagem é font_tage de mal-entendidos. Quando visitava uma escola, perguntei a um pequenito: "Estás a ler essa revista?"

"Não. Eu estou só vendo e cortando. Não estou lendo!"

Sábio moço! Tinha consciência de que cortar de uma revista palavras "que tivessem o ca e o co", como mandara fazer a professora, não era o mesmo que ler. Nunca lera Boff, mas sabia que cada leitor e cada escritor é coautor, que cada leitor lê e relê com os olhos que tem, porque compreende e interpreta a partir do mundo que habita.

O que está nos Planos Curriculares não logrou entrar na maioria das salas de aula. Uma pesquisa recente diz-nos que metade dos professores nem sequer leu o que lá está escrito. Talvez por isso, se deixem influenciar por quem quer rever um documento que nunca passou à prática. Talvez por isso, se deixem envolver em debates estéreis como os que visam definir "qual é a melhor idade para começar o fundamental".

Talvez por isso, os cursos remediativos de alfabetização de adultos cresçam exponencialmente. Já adultos, os alunos sabem porque querem aprender a ler: "Eu vim aprender a ler, para poder ler os bilhetes que estão nos bolsos do casaco do meu marido". Mas também os mais pequenos nos podem dar lições de pedagogia. Como a Luciana: "Ler é saber em silêncio."

Apesar das evidências, sei que os professores não são desistentes: "Os nossos alunos, na sua grande maioria, repudiam a escola, querem fugir dela. A nossa escola sufoca, não desenvolve a cidadania, mas nós acreditamos numa outra escola, e vamos lutar para que ela exista.

4 comentários:

  1. Muito interessante o que aconteceu com o grupo dos palhaços. Mais interessante seria se partilhasse com os seus leitores,quais as estratégias não formais que utilizou para que o grupo se encontre nessa fase de interesse pela aprendizagem da leitura. Obrigada! atenciosamente
    Sofia Carvalho

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    1. Prometo que vou estar atenta a documentar o que vou fazendo. O problema é que muita coisa, o mais importante, é difícil de evidenciar! Mas vou esforçar-me.

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  2. Muitos parabéns pelo trabalho desenvolvido, que decerto teve muita qualidade, a aferir pelos resultados...
    Obrigada pela partilha do artigo, que não conhecia.
    Continuaremos a encontrar-nos por aqui e por lá...
    Boa Páscoa!

    Bjs, Juca

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  3. Boa noite!
    Tenho visto o site e aprecio muito o trabalho desenvolvido pois os resultados são evidentes. Como educadora tenho algumas curiosidades quanto às rotinas vividas no vosso jardim de infância. Será que podia partilhar um pouco dos vossos horários e como gerem o dia? Obrigada

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